quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O CÉREBRO E PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO VISUAL: CONTRASTE E COR (3ª parte)

Sistema “O QUÊ”: a sua função
Mais recente em termos evolutivos e exclusivo dos primatas, o sistema “O QUÊ” é responsável pela nossa capacidade de reconhecer objectos (incluindo caras humanas), cor e detalhe. Este sistema começa na retina com as células fotoreceptoras cones.
Porque mais complexo, permite-nos codificar cor e detalhe de superfícies e é pouco sensível a pequenas diferenças de brilho (baixo contraste).
Um acidente que afecte este sistema implica dificuldade em recolhecer objectos, animais, pessoas  ou cores.

Mas como é que cor é codificada e processada pelo cerebro?
Sabemos que a partir de 3 tipos de fotoreceptores com diferentes absorções espectrais podemos percepcionar milhões de cor.
Sabemos também que os sinais eléctricos dos 3 cones são codificados e processados em sinais eléctricos que correspondem a duas cores complementares e a um sinal de luminância, sem perda de informação original, pelo nosso cérebro.

Mas pergunta-se: porquê em 2 sinais de cores complementares?
Uma vez mais, a resposta pode estar relacionada com uma maior eficiência no processamento de informação: ao nosso cérebro extrair e analisar informação de cor separadamente de informação de luminância sobre o meio-ambiente, pode ser biologicamente mais eficiente.
Em termos evolutivos, os mamíferos  –  incluindo os seres humanos, teriam primeiramente apenas o cone azul, e a percepção de cor terá evoluído após a sedimentação do “caminho” de luminância – o sistema “ONDE”, que ainda temos. O primeiro passo para o desenvolvimento da visão a cores terá sido a evolução de um segundo cone fotoreceptor; de facto, os animais não primatas têm apenas 2 tipos de cones, confirmando que a comparação da actividade de diferentes tipos de cones é algo recente.

Mas pergunta-se: E que consequências pode ter o facto de os nossos cérebros codificarem cor através de complementares?
Nada no espectro visível ou na tricromia prevê ou indica porque algumas cores devem ser complementares de outras.

No entanto sabemos que:
1. Certos pares de complementares excluem-se mutuamente: por exemplo, não conseguimos imaginar um vermelho esverdeado, ou um amarelo azuldado.
2. Certos pares de complementares neutralizam-se mutuamente: por exemplo, o par de luzes vermelho-verde ou azul-amarelo, quando misturadas dão branco; ou o par de pigmentos vermelho-verde ou azul-amarelo, quando misturadas dão cinzento.
3. Certas cores provocam pós-imagems da sua complementar: por exemplo, quando olhamos fixadamente um vermelho ou azul, e depois olhamos para um plano neutro (cinzento) vimos a sua complementar (verde ou amarelo respectivamente).
4. Certos pares de complementares que se neutralizam quando adjacentes, destacam-se ou seja, os seus contornos salientam-se.

Vimos cor sempre que uma das cores complementares dá um sinal de desiquilibrio, ou seja não se neutralizam mutuamente.

 
Exemplo de cores complementares

MISTURAS DAS CORES
No entanto misturar luzes de cor não é o mesmo que misturar pigmentos de cor: se a mistura de luzes é aditiva, a mistura de pigmentos é subtractiva.

Ou seja, na mistura de luzes é por reflectância de luz que obtemos uma 3º cor: por exemplo, ao misturarmos certos pares de cores complementares de luz, azul e amarelo, vimos luz branca, e experienciamos “branco” porque os 3 cones são activados em proporções iguais.
Na mistura de tintas, misturamos não a luz que reflectem mas a sua absorção, ou seja, porque as moléculas estão muito próximas qualquer luz que atinja o pigmento misturado atingirá ambos os pigmentos originais.
Por exemplo, se misturarmos luz azul e luz amarelo vimos luz branca; mas a luz reflectida da mistura de pigmentos azuis e amarelos é verde. Na mistura aditiva a reflectância adiciona; na mistura subtractiva a absorvência adiciona.

Ao longo de séculos e em várias culturas,  vermelho, amarelo e azul têm sido consideradas como cores “primárias” a nível  de pigmentos na pintura; e o vermelho, azul e verde como as primárias ao nível da luz; e cião, magenta e amarelo como primárias em impressão.
A razão porque estas 3 últimas são as mais eficientes das primárias subtractivas é porque cada uma delas representa o “negativo” da optimização que são as primárias de luz: cião é o resultado absorvendo-se o vermelho do espectro da luz; amarelo absorvendo-se a luz azul e magenta absorvendo-se a luz verde.
Porque a maioria de nós tem 3 cones com largos intervalos de absorção, várias combinações de 3 primárias podem ser escolhidas para serem as primárias. E se as primárias podem mudar, consequentemente as suas complementares também, quer estejamos a falar de luzes ou de pigmentos.

 
Primárias Mistura Aditiva (luz) versus Primárias Mistura Subtractiva (pigmentos, usados em impressão offset)


Primárias Mistura Subtractiva (pigmentos de pintura)

Podemos concluir dizendo que, tal como a luz é uma entidade física com comportamento de onda e de partícula, a nossa visão de cor é tanto tricromática como de cores complementares e a sua percepção continua um mistério.


Fontes:
"Vision and Art: The Biology of Seeing" - Margaret Livingstone, Abrams, 2002

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O CÉREBRO E PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO VISUAL: CONTRASTE E COR (2ª parte)

Porque muito sensível a pequenas diferenças de brilho, é também o sistema “ONDE” que nos permite identificar ter uma percepção de tridimensionalidade ao diferenciarmos zonas de luz e sombra reflectidas pela superfície de um objecto.

Como é que o nosso sistema visual percepciona grandes variações de luminância?
Sabemos que as células do nosso sistema visual são mais sensíveis a bruscas mudanças de luz do que a mudanças graduais de luz: detectamos o ponto mais brilhante e o ponto mais escuro no meio-ambiente e a partir daí o nosso sitema codifica variações lúminicas.

O artista Rembrandt era exímio na técnica de combinar mudanças bruscas e mudanças graduais de luz, criando uma aparência de mudanças lúminicas irreais.


“Filósofo em Meditação”, 1632

Associado à tridimensionalidade está a percepção de profundidade. É também através do contraste lumínico obtemos a percepção de profundidade, independentemente da cores dos objectos.

Um exemplo disto é o quadro de Matisse “Mulher com chapéu”. Matisse fez a espantosa descoberta que a tridimensionalidade da forma mantêm-se independentemente da cor, desde que a relação de contraste de luminância seja a correcta.
No quadro “ Mulher com chapéu”, o rosto da mulher é tratado com cores invulgares; decerto que é difícil imaginar uma fonte de iluminação que provoque tais tonalidade no rosto. No entanto, ao olharmos para ele não deixamos de sentir intuitivamente tridimensionalidade, e isto acontece porque, apesar do bocados de cores invulgares usados, a relação relativa de luz/sombra correcta foi utilizada para representar os planos e sombras do rosto.

“Mulher com chapéu”, 1905


Fontes:
"Vision and Art: The Biology of Seeing" - Margaret Livingstone, Abrams, 2002

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O CÉREBRO E PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO VISUAL: CONTRASTE E COR (1ª parte)

Mas como é que o nosso cérebro processa informação visual?
O “caminho” de processamento visual nos seres humanos (e nos mamíferos em geral), começa na retina dos nossos olhos, passa pelo talamus até chegar às várias áreas de processamento de informação visual do cérebro.
Desde o seu início na retina até às várias áreas do cérebro, que informação visual não é processada pelos mesmos “caminhos” neurais: dois sistemas, o sistema “ONDE” e o sistema “O QUÊ”, que embora interligados, são anatomicamente distintos e processam diferentes tipos de informação visual em paralelo.

Esta divisão tem consequências no modo de processamento de cor, acuidade, velocidade e sensibilidade ao contraste, e crê-se que está relacionada com o processo evolutivo.

Sistema “ONDE”: a sua função
Em termos evolutivos, o sistema mais antigo e que partilhamos com primatos e mamíferos, é aquele que é responsável pela nossa percepção de movimento, de espaço,  de posição e profundidade, de segregação de forma/fundo (contorno de formas), ou seja pela nossa organização geral do espaço visual que nos rodeia: é o sistema “ONDE” e que começa na retina com as células fotoreceptoras bastonetes.
Este sistema é altamente sensível a movimento, logo mais rápido nas suas respostas, e detecta o mundo em gradiantes de cinzentos; por isso é muito sensível a pequenas diferenças de brilho (alto contraste).
Um acidente que afecte este sistema implica dificuldade em dizer onde estão objectos, detectar movimento e profundidade à nossa volta, dificuldade em alcançar coisas e distinguir a esquersa da direita.

Esta segregação pode ser explicada em termos evolutivos porque o sistema “O QUÊ” foi adicionado ao já existente sistema “ONDE”, e deste modo, ao separar-se o processamento de informação garantia-se uma maior eficiência ao haver uma maior especifícidade no processamento de informação: é mais eficiente e rápido levar informação de um objecto referente a cor e forma separada da informação referente a posição e trajectória.
Este principio é hoje usado em Engenharia de HD para televisão, em animação e em computação gráfica.

Um exemplo de como estes dois sistemas funcionam separadamente ao analizarmos uma cena do mundo real é o facto de artistas desenharem linhas (o contorno) para representar a realidade apesar de no mundo não existirem linhas a definir objectos: estes contornos são as fronteiras entre regiões de diferentes cores ou luz. Mesmo uma criança ou um bébé intuitivamente identifica objectos desenhados por linhas, mais; quando uma criança começa a desenhar, começa por desenhar os contornos do mundo que conhece.
Tal comprova que o sistema “ONDE” chegou realmente primeiro!


A família Stamaty - Ingres, 1818
Contornos não exitem no mundo.
No entanto, representamos as fronteiras entre regiões de diferentes cores ou luz com contornos.


Fontes:
"Vision and Art: The Biology of Seeing" - Margaret Livingstone, Abrams, 2002

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

ACUIDADE VISUAL: VISÃO CENTRAL E VISÃO PERFÉRICA (2ª parte)

Mas para além de dar-nos informações espaciais pouco definidas (como que desfocadas), a visão periférica permite-nos também criar ligações erradas entre objectos: ou seja, o nosso sistema visual dá a cor de um objecto à forma de outro lhe adjacente.

Por exemplo, no quadro de Monet “Rue Montorgueil em Paris”, à primeira vista, o nosso sistema visual diz-nos que estamos a ver várias bandeiras de França. No entanto, se analisarmos em maior detalhe, apercebemo-nos que muitas das bandeiras estão apenas representadas por uma pincelada de vermelho, azul ou branco, pois as 3 cores da bandeira nacional Francesa não aparecem adjacentes entre si tal como seria de esperar: a nossa visão periférica tem a capacidade “completar” de  “preencher” a informação em falta, neste caso referente às fixas de cor das bandeiras tricolores.


“A Rua Montorgueil em Paris”- Monet, 1878

A nossa visão periférica regista a nossa primeira impressão de uma cena, regista a memória de um dado evento no tempo.

Mas como escolhemos para onde olhar?
De acordo com o psicólogo russo A. L. Yarbus, a nossa visão periférica tende a “escolher” partes do campo visual que contêm maior contraste, maior detalhe, ou interesses de significado biológico como sejam por exemplo outros seres humanos, e nestes, olhamos principalmentes os olhos humanos.
Este é um facto em todas as culturas humanas: os olhos têm uma grande importância emocional e surgem como o ponto principal de referência de onde se pode obter informação sobre uma pessoa.

Fontes:
"Vision and Art: The Biology of Seeing" - Margaret Livingstone, Abrams, 2002

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

ACUIDADE VISUAL: VISÃO CENTRAL E VISÃO PERFÉRICA (1ª parte)

A nossa visão é bem mais detalhada no centro do olhar do que no resto do nosso campo visual, e é assim porque a fóvea está concebida para vermos com o máximo de acuidade visual: ver com detalhe objectos e texturas.
Pelo contrário, a visão periférica está desenhada para reconhecermos a organização do espaço à nossa volta, para detectarmos a existência de objectos e áreas, que posteriormente, vimos e analizamos com a nossa visão de detalhe.
Embora a fóvea esteja optimizada para o reconhecimento de detalhes, e a visão periférica para informação mais generalista, isto não desvaloriza a importância e significado da visão periférica.
Afinal é graças à visão periférica que podemos ver o sorriso da “Monalisa” de Leonardo da Vinci!

O SORRISO DA MONALISA
Quando olhamos para o quadro a primeira coisa que percepcionamos é o quanto a Monalisa parece viva, e como parece estar constantemente a observar-nos e analizar-nos; sempre que olhamos para ela, ela parece de algum modo diferente. O seu sorriso é tão enigmático que parece umas vezes mostrar tristeza e outras, gracejo; por isso, tantas vezes é chamada de uma obra de arte!

Mas porque vimos o seu sorriso “mudar”?
Se alternarmos o nosso olhar entre a sua boca e o outras partes do quadro (boca-fundo, boca-olhos, boca-mãos etc.), o seu sorriso é percepcionado como mais evidente e alegre se o nosso olhar focar noutra parte do quadro, do que, se focarmos o nosso olhar directamente na só na boca.

Isto demonstra que o seu sorriso não é assim tão misterioso ou enigmático, mas antes, que é percepcionado diferentemente porque diferentes partes do sistema visual são estimuladas, ou seja: o seu sorriso é mais evidente quando usamos a visão periférica do que quando usando a visão central (fóvea, centro do olhar).
Isto porque, a nossa visão periférica funciona como uma primeira impressão do mundo/espaço que nos rodeia, que  apesar nos dar informação não detalhada, dá-nos informação suficientemente detalhada para permitir-nos quase que instintivamente selecionar o que merece (ou não) de ser visto e analizado numa segunda fase e em maior detalhe, e aí recorrendo à zona da fóvea da retina.

Visão periférica | Próximo da visão periférica | Visão com a fóvea


Fontes:
"Vision and Art: The Biology of Seeing" - Margaret Livingstone, Abrams, 2002

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O OLHO E VISÃO DE COR (2ª parte)

No crepúsculo é possível ao ser humano ter as 4 células fotoreceptores activadas simultaneamente: quando a quantidade de luz é suficientemente baixa para tornarem activos os bastonetes, mas não tão baixa que os cones percam a sua actividade, e nestas circunstâncias temos uma percepçao da cor diferente: os azuis tornam-se mais brilhantes e os vermelhos mais escuros.

Em termos fisiológicos, o que se passa é que em fracas condições de luminosidade, os bastonetes porque são mais sensíveis a curtos comprimentos de onda (azuis e verdes), mas insensíveis a longos comprimentos de luz (vermelhos), uma dada quantidade de luz azul parecer-se-á mais brilhante que a mesma quantidade de luz vermelha.
Curvas de resposta a luminosidade: visão diurna versus visão nocturna

Este fenómeno chama-se efeito de Purkinje, em nome do anatomista checo que o descobriu, Jan Evangelista Purkyne, e acontece na transiçao entre a visao diúrna (visão fotópica – quando os cones são mais activos) para visão nocturna (visão escotópica – quando os bastonetes são mais activos): é chamada de visão mesópica.

Em temos de aplicação prática, este tipo de visão é usado por exemplo, em salas de control de submarinos, laboratórios de pesquisa ou estúdios de revelaçao de fotografía a preto e branco, em espaços sempre que iluminados por luzes vermelhas ou usando-se óculos vermelhos.

Exemplos de visão fotópica, visão mesotópica e visão escotópica de um gerânio vermelho.

Fontes:

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O OLHO E VISÃO DE COR (1ª parte)

O olho humano está equipado para a visão diurna, para acuidade visual em vez de sensibilidade à luz, e isto é consistente com o facto somos seres diurnos equipados para agir no mundo em condições de luminosidade.

Por isso, o olho humano está equipado por células fotoreceptoras especializadas na absorção de determinados comprimentos de luz que são descodificados e posteriormente interpretados pelo cérebro como cor.
Estas células, estão situadas na parte posterior da retina; para chegar às células fotoreceptoras, a luz passa através da pupila, pelo cristalino – lente onde a imagem é focada na retina, atravessa o humor vítreo (líquido existente no olho) e 3 camadas de células neurais (células ganglionares, bipolares e horizontais) que compõem a retina, até chegar à camada das células fotoreceptoras.
Aí, a luz é absorvida, e através de reacções químicas é transformada em sinais neurais, que chegam ao cérebro através do nervo óptico.
A zona de transição entre a retina e o nervo óptico, é chamada de disco óptico ou “ponto cego” porque nesta zona da retina não existem células fotoreceptoras ou de qualquer outro tipo.

Porque somos seres equipados para visão diurna, não pode haver perda de luz; por isso toda a luz que não é absorvida pelas células fotoreceptoras, é absorvida por uma camada de células situadas na parte posterior da retina – as células pigmentadas.

Características principais do Olho Humano

Existem dois tipo de células fotoreceptoras: os bastonetes e os cones.
Os bastonetes – estão equipados para responder em situações de baixa intensidade luminosa como por exemplo à noite, e encontram-se essencialmete na períferia da retina; os cones – são responsáveis pela nossa visão diurna, pela nossa capacidade de ver cor e detalhe, e concentram-se no centro da retina, mais precisamente na fóvea, zona onde só existem células fotoreceptoras cones.

Sabemos que a maioria dos seres humanos tem 3 tipo de cones, e são designados como longo (L), médio (M) e curto (S), ou como cones vermelhos porque mais sensíveis aos longos comprimentos de onda onde se encontram os vermelhos; cones verdes porque mais sensíveis a comprimentos de onda médios onde se encontram os verdes; ou cones azuis porque mais sensíveis a comprimentos de onda curta onde se encontram os azuis.
E apenas com estes 3 cones, conseguimos percepcionar milhões de cores!

Comportamento dos 3 tipos de cones a diferentes comprimentos de onda

Teoricamente, sabe-se que para percepcionar todas as cores do espectro visível seria suficiente apenas a actividade de 2 tipos diferente de fotoreceptores, desde que as suas respostas fossem proporcionais às mudanças de comprimento de onda.

Então porquê 3 tipos de cones?
A resposta pode ser dada em termos evolutivos: porque somos seres diurnos, e para garantir uma maior hipótese de sobrevivência,  o cone vermelho evoluiu a partir do cone verde, permitindo o pico de absorção mais para os vermelhos do espectro, e deste modo oferecendo uma maior acuidade visual diurna.

Sabe-se que com apenas um tipo de fotoreceptor, conseguimos distinguir luz na base do contraste, do brilho (é por isso que com fracas condições de luminosidade vimos a preto e branco pois afinal temos um só tipo de bastonetes!); com 2 tipos fotoreceptores distinguiamos luzes de diferentes comprimentos de onda e luminância, mas não conseguiriamos distinguir certas misturas de cores. É o caso dos daltónicos a quem lhes falta (ou têm uma mutação) em um ou mais cones, geralmente nos cones vermelhos (L - comprimentos de onda longos) ou verdes (M - comprimentos de onda médios).

Sabemos que o Daltonismo é uma questão genética: o gene para os cones vermelhos e verdes está no cromossoma X. Porque as mulheres têm dois cromossomas X e os homens têm apenas, isto significa que, uma mulher com uma mutação num dos cromossomas continua a ter uma visão colorida normal, pois a falha é compensada pelo outro cromossoma X; no entanto, dado que o homem apenas tem um cromossoma X, este ao ter uma mutação do gene, dado que não tem outra cópia do gene passa a ter uma visão da cor diferente. A título de curiosidade, cerca de 10% dos homens têm uma mutação no gene X e menos que 1% das mulheres têm uma mutação dos genes X.
Mutações nos comprimentos de onda curtos são bastante mais raros porque todos os seres humanos têm uma cópia do gene dos cones azuis; no entanto, as pessoas que têm este tipo de daltonismo, têm dificuldade em distinguir azuis de verdes amarelados.

Visão Normal  |  Daltonismo (vermelho/verde)

Visão Normal  |  Daltonismo (vermelho/verde)  |  Daltonismo (azul/amarelo)


Fontes:
"Vision and Art: The Biology of Seeing" - Margaret Livingstone, Abrams, 2002

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A SENSAÇÃO DE COR ESTÁ NO CEREBRO (4ª parte)

Segundo o neurologista V.S. Ramachandran a condição de Sinestésia tem 7 vezes mais probalilidades de ocorrer em pessoas criativas do que na maioria da população, e para ele, esta característica pode ser responsável pela capacidade humana de criatividade e metáfora.

Se a capacidade de abstração, de fazer a ligações conceptuais a partir de percepções é inerente à condição humana, penetrando em todas as formas de conhecimento sejam elas expressas através de números, música, pintura, palavras, ou outra, a sinestesia parece leva esta capacidade de abstração mais além.
E a parte do cérebro que parece ter um papel fundamental nesta condição, é a região onde a informação dos vários sentidos aparentemente fluem em conjunto de modo a permitir a construção de percepções mais elaboradas.

Se Ramachandran está correcto, então criatividade, e consequentemente a arte, é mais do que uma simples capacidade acima da média para a abstração de estabelecer ligações entre entidades perceptualmente separadas mas antes, a incrível capacidade de pegar em algo em bruto e construir algo maior do que a soma das partes.

Nota-se que a maioria das pessoas a quem foi diagnostica Sinestesia, olha para a sua experiência de sinestésico como um “dom”, um 6º sentido escondido, que de modo algum gostariam de perder.

ARTISTAS SINESTÉSICOS
O pintor David Hockney percepciona música como cor, forma e configuração, e usa estas percepções quando pinta para cenários de opera, mas não para as suas obras de arte.

"The Road to York through Sledmere", 1997

O pintor Wassily Kandinsky combinava os 4 sentidos; cor, ouvir toque cheiro, e nos seus quadros a imagem tinha música.
"Yellow, Red, Blue", 1925

O escritor Vladimir Nabokov, na sua autobiografia “Speak, Memory”, descreve em detalhe a sua condição de sinestesia de “letras coloridas”, chegando a retrata-la em algumas das suas personagens.

O físico Richard Feynman, na sua autobiografia “What Do You Care What Other People Think?”, descreve as suas equações coloridas (alfabeto colorido).

Os compositores Duke Ellington, Franz Liszt, Nikolai Rimsky-Korsakov.
O compositor Olivier Messiaen criou especificamente um método de composição que lhe permitia materializar nas estruturas dos refrões musicais a sua sinestesia de som-cor.

A arte decerto enriqueceu com as experiências de percepções de artistas sinestésicos: ao contribuir para a divulgação da condição de Sinestesia, apresentou-a também como fonte de inspiração na construção de outros modos de percepção multisensorial do mundo que nos rodeia.

Fontes:
http://en.wikipedia.org/wiki/Synesthesia
http://luckycloud.wordpress.com/2007/12/29/nabokovs-alphabet-in-color-synaesthetes-and-the-human/
http://www.scientificamerican.com/article.cfm?id=0003014B-9D06-1E8F-8EA5809EC5880000

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A SENSAÇÃO DE COR ESTÁ NO CÉREBRO (3ª parte)

Imagine-se que os nossos sentidos misturavam-se; que ver não era só ver e que ouvir não era apenas ouvir. Ver, ouvir, saborear, tocar ou cheirar, qualquer de uma destas sensações ilicitamente activava outras. Pois bem, alguns de nós têm essa capacidade naturalmente, e sem qualquer tipo de esforço intelectual.
Está tudo no nosso cérebro: “the ghost in the machine!”

Sinestésicos (as pessoas com a condição de Sinestésia) percepcionam o mundo de um modo diferente da maioria: a música e letras podem ser colorida, letras e números podem ser masculinas ou femininas e terem personalidade, e formas podem ter gosto.
Está provado que Sinestésia não é um produto da imaginação mas antes o resultado de actividade neural no cérebro resultante de uma questão genética (como é herdada não se sabe), com maior insidência no sexo feminino (6:1) e não se trata apenas de re-organização de ligações neurais.

Em bébes, as nossas áreas de especialização do cérebro ainda não estão definidas, e por isso experienciamos o mundo como uma experiência multi-sensorial, mas à medida que o nosso cérebro vai-se desenvolvendo, a informação passa a ser escrutinada e categorizada, criando-se áreas de especialização para cada um dos nossos sentidos.

Exemplos de Sinestésia
  • GRAFEMA g COR – Letras do alfabeto e/ou números individuais são percepcionados como inerentemente coloridos. Por exemplo a letra "A" geralmente é vista como vermelha.
  • SOM g COR – Som, voz ou música, é visto como “fogo de artifício”; por exemplo, os sons à nossa volta, como o ladrar de um cão, estimulam a visão de cores e objectos em movimento, os quais mudam a sua saturação e brilho bem como direcção de movimento.
  • FORMAS COM NÚMEROS – Pessoas que ao pensarem em números, desenham mentalmente mapas com números.
  • Áreas do cerebro especializadas em numeros e espaciais estão envolvidas.
  • PERSONIFICAÇÃO – A frases comuns, e sequências de números são associados características  de personalidade (honesto, alto, graciosa, preocupado, responsável, calmo, etc.).
  • LÉXICO g PALADAR – Palavras e fonemas da linguagem evocam sabores no paladar.
Exemplo de como alguém com a condição de Sinestesia pode percepcionar algumas letras e números.

Acredita-se que existem cerca de 60 possíveis combinações de sinestesia embora nem todas tenham sido objecto de estudo. A mais estudada é a de “sons coloridos”, talvez porque a mais recorrente. Estatísticamente sabe-se que cerca de 1 em cada 23 individuos têm algum tipo de sinestesia; 1 em cada 90 vê grafemas coloridos em que os mais comuns são os “dias da semana coloridos” e “letras coloridos”.

Este interesse por “sons coloridos” remonta à antiguidade grega, quando filósofos perguntavam se a cor da música poderia ser uma qualidade quantitativa. Newton e  Goethe acreditavam que tons musicais e tons coloridos partilhavam frequências. Embora hoje saiba-se que este conceito é falso, culturalmente foi uma ideia presente na arte ao longo de séculos.

Fontes:
http://en.wikipedia.org/wiki/Synesthesia

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A SENSAÇÃO DE COR ESTÁ NO CÉREBRO (2ª parte)

Fisiologicamente, o cerebro é composto por 2 hemisférios simétricos entre si e unidos pelo chamado corpo caloso que funciona como uma ponte entre ambos os hemisférios, passando informação de um para o outro: o hemisfério esquerdo recebe e envia informação para o lado direito do corpo, e o hemisfério direito recebe e envia informação para o lado esquerdo do corpo.

Cada hemisfério do cérebro está dividido em 4 lóbulos:
  • Lóbulo occipital – Situado na parte posterior do cerebro, é a zona responsável pelo processamento de informação visual;
  • Lóbulo parietal – que lida essencialmete com funções ligadas a movimento, orientação, calculo e certo tipo de reconhecimento;
  • Lóbulo temporal – que lida com som, compreensão da fala (isto apenas no hemisferio esquerdo), e alguns aspectos da memória;
  • Lóbulo frontal – que lida com funções de integração como seja, pensamento, conceptualização e planeamento. Esta região parece estar relacionada, não com instintos de sobrevivência mas antes, com aspectos sofisticados da nossa mente, ou seja a essência da nossa personalidade e como reagimos enquanto indivíduos ao mundo. Em termos evolutivos, esta área demonstrou um crescimento maior na evoluçao dos mamíferos; cerca de 29%, na espécie humana.
  • Sistema límbico – situado por debaixo do corpo caloso, é responsável por reações de funcionamento mais básicas como sejam emoções, apetites e necessidades que nos ajudam a sobreviver;
  • Cerebelo – situado na parte de trás do cérebro e em baixo, é responsável por ligar informação sensorial com movimento motor sem recorrer a pensamento consciente. Em termos evolutivos o cerebelo é mais ancestral na evolução do cerebro humano, chamado de “cérebro pequeno” e o primeiro cerebro.


Fontes:
“The Human Brain – A Guided Tour” – Susan Greenfield, Weidenfeld & Nicolson, 1997

A SENSAÇÃO DE COR ESTÁ NO CÉREBRO (1º parte)

Dentro do muito que ainda há para saber sobre o funcionamento do nosso cérebro, sabe-se que esta matéria rugosa e cinzenta com cerca de 1.3kg, com a forma de uma noz e composta por cerca de 100 biliões de células, é responsavel pela percepção física e conceptual que temos do mundo que nos rodeia.
Por isso podemos dizer que, se vimos o mundo à nossa volta a cores, a cor está no nosso cérebro.

Sabemos que existe uma relação entre o cérebro, matéria física e a mente; o seu estudo, ainda que em fase embrionária, começa a dar os seus frutos. Sabemos que o cérebro humano é composto por várias áreas (módulos) com funções específicas para transformar som em fala, para processar cor, para registar medo, para reconhecer uma cara, etc., mas sabemos também, que apesar desta especificidade, assume a função de outra, mostrando que as suas funções não estão assim tão rigidamente fixadas.

Sabemos também que estes módulos são interdependentes e interagem entre si.
O objectivo último é ligar tudo num sistema dinâmico, altamente especializado que faz milhares de coisas diferentes ao mesmo tempo e tão complexo que talvez nunca se venha a compreendar na sua totalidade.

Fontes:
“Mapping the Mind” – Rita Carter, Weidenfeld & Nicolson, 1988