quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O CÉREBRO E PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO VISUAL: CONTRASTE E COR (3ª parte)

Sistema “O QUÊ”: a sua função
Mais recente em termos evolutivos e exclusivo dos primatas, o sistema “O QUÊ” é responsável pela nossa capacidade de reconhecer objectos (incluindo caras humanas), cor e detalhe. Este sistema começa na retina com as células fotoreceptoras cones.
Porque mais complexo, permite-nos codificar cor e detalhe de superfícies e é pouco sensível a pequenas diferenças de brilho (baixo contraste).
Um acidente que afecte este sistema implica dificuldade em recolhecer objectos, animais, pessoas  ou cores.

Mas como é que cor é codificada e processada pelo cerebro?
Sabemos que a partir de 3 tipos de fotoreceptores com diferentes absorções espectrais podemos percepcionar milhões de cor.
Sabemos também que os sinais eléctricos dos 3 cones são codificados e processados em sinais eléctricos que correspondem a duas cores complementares e a um sinal de luminância, sem perda de informação original, pelo nosso cérebro.

Mas pergunta-se: porquê em 2 sinais de cores complementares?
Uma vez mais, a resposta pode estar relacionada com uma maior eficiência no processamento de informação: ao nosso cérebro extrair e analisar informação de cor separadamente de informação de luminância sobre o meio-ambiente, pode ser biologicamente mais eficiente.
Em termos evolutivos, os mamíferos  –  incluindo os seres humanos, teriam primeiramente apenas o cone azul, e a percepção de cor terá evoluído após a sedimentação do “caminho” de luminância – o sistema “ONDE”, que ainda temos. O primeiro passo para o desenvolvimento da visão a cores terá sido a evolução de um segundo cone fotoreceptor; de facto, os animais não primatas têm apenas 2 tipos de cones, confirmando que a comparação da actividade de diferentes tipos de cones é algo recente.

Mas pergunta-se: E que consequências pode ter o facto de os nossos cérebros codificarem cor através de complementares?
Nada no espectro visível ou na tricromia prevê ou indica porque algumas cores devem ser complementares de outras.

No entanto sabemos que:
1. Certos pares de complementares excluem-se mutuamente: por exemplo, não conseguimos imaginar um vermelho esverdeado, ou um amarelo azuldado.
2. Certos pares de complementares neutralizam-se mutuamente: por exemplo, o par de luzes vermelho-verde ou azul-amarelo, quando misturadas dão branco; ou o par de pigmentos vermelho-verde ou azul-amarelo, quando misturadas dão cinzento.
3. Certas cores provocam pós-imagems da sua complementar: por exemplo, quando olhamos fixadamente um vermelho ou azul, e depois olhamos para um plano neutro (cinzento) vimos a sua complementar (verde ou amarelo respectivamente).
4. Certos pares de complementares que se neutralizam quando adjacentes, destacam-se ou seja, os seus contornos salientam-se.

Vimos cor sempre que uma das cores complementares dá um sinal de desiquilibrio, ou seja não se neutralizam mutuamente.

 
Exemplo de cores complementares

MISTURAS DAS CORES
No entanto misturar luzes de cor não é o mesmo que misturar pigmentos de cor: se a mistura de luzes é aditiva, a mistura de pigmentos é subtractiva.

Ou seja, na mistura de luzes é por reflectância de luz que obtemos uma 3º cor: por exemplo, ao misturarmos certos pares de cores complementares de luz, azul e amarelo, vimos luz branca, e experienciamos “branco” porque os 3 cones são activados em proporções iguais.
Na mistura de tintas, misturamos não a luz que reflectem mas a sua absorção, ou seja, porque as moléculas estão muito próximas qualquer luz que atinja o pigmento misturado atingirá ambos os pigmentos originais.
Por exemplo, se misturarmos luz azul e luz amarelo vimos luz branca; mas a luz reflectida da mistura de pigmentos azuis e amarelos é verde. Na mistura aditiva a reflectância adiciona; na mistura subtractiva a absorvência adiciona.

Ao longo de séculos e em várias culturas,  vermelho, amarelo e azul têm sido consideradas como cores “primárias” a nível  de pigmentos na pintura; e o vermelho, azul e verde como as primárias ao nível da luz; e cião, magenta e amarelo como primárias em impressão.
A razão porque estas 3 últimas são as mais eficientes das primárias subtractivas é porque cada uma delas representa o “negativo” da optimização que são as primárias de luz: cião é o resultado absorvendo-se o vermelho do espectro da luz; amarelo absorvendo-se a luz azul e magenta absorvendo-se a luz verde.
Porque a maioria de nós tem 3 cones com largos intervalos de absorção, várias combinações de 3 primárias podem ser escolhidas para serem as primárias. E se as primárias podem mudar, consequentemente as suas complementares também, quer estejamos a falar de luzes ou de pigmentos.

 
Primárias Mistura Aditiva (luz) versus Primárias Mistura Subtractiva (pigmentos, usados em impressão offset)


Primárias Mistura Subtractiva (pigmentos de pintura)

Podemos concluir dizendo que, tal como a luz é uma entidade física com comportamento de onda e de partícula, a nossa visão de cor é tanto tricromática como de cores complementares e a sua percepção continua um mistério.


Fontes:
"Vision and Art: The Biology of Seeing" - Margaret Livingstone, Abrams, 2002

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O CÉREBRO E PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO VISUAL: CONTRASTE E COR (2ª parte)

Porque muito sensível a pequenas diferenças de brilho, é também o sistema “ONDE” que nos permite identificar ter uma percepção de tridimensionalidade ao diferenciarmos zonas de luz e sombra reflectidas pela superfície de um objecto.

Como é que o nosso sistema visual percepciona grandes variações de luminância?
Sabemos que as células do nosso sistema visual são mais sensíveis a bruscas mudanças de luz do que a mudanças graduais de luz: detectamos o ponto mais brilhante e o ponto mais escuro no meio-ambiente e a partir daí o nosso sitema codifica variações lúminicas.

O artista Rembrandt era exímio na técnica de combinar mudanças bruscas e mudanças graduais de luz, criando uma aparência de mudanças lúminicas irreais.


“Filósofo em Meditação”, 1632

Associado à tridimensionalidade está a percepção de profundidade. É também através do contraste lumínico obtemos a percepção de profundidade, independentemente da cores dos objectos.

Um exemplo disto é o quadro de Matisse “Mulher com chapéu”. Matisse fez a espantosa descoberta que a tridimensionalidade da forma mantêm-se independentemente da cor, desde que a relação de contraste de luminância seja a correcta.
No quadro “ Mulher com chapéu”, o rosto da mulher é tratado com cores invulgares; decerto que é difícil imaginar uma fonte de iluminação que provoque tais tonalidade no rosto. No entanto, ao olharmos para ele não deixamos de sentir intuitivamente tridimensionalidade, e isto acontece porque, apesar do bocados de cores invulgares usados, a relação relativa de luz/sombra correcta foi utilizada para representar os planos e sombras do rosto.

“Mulher com chapéu”, 1905


Fontes:
"Vision and Art: The Biology of Seeing" - Margaret Livingstone, Abrams, 2002

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O CÉREBRO E PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO VISUAL: CONTRASTE E COR (1ª parte)

Mas como é que o nosso cérebro processa informação visual?
O “caminho” de processamento visual nos seres humanos (e nos mamíferos em geral), começa na retina dos nossos olhos, passa pelo talamus até chegar às várias áreas de processamento de informação visual do cérebro.
Desde o seu início na retina até às várias áreas do cérebro, que informação visual não é processada pelos mesmos “caminhos” neurais: dois sistemas, o sistema “ONDE” e o sistema “O QUÊ”, que embora interligados, são anatomicamente distintos e processam diferentes tipos de informação visual em paralelo.

Esta divisão tem consequências no modo de processamento de cor, acuidade, velocidade e sensibilidade ao contraste, e crê-se que está relacionada com o processo evolutivo.

Sistema “ONDE”: a sua função
Em termos evolutivos, o sistema mais antigo e que partilhamos com primatos e mamíferos, é aquele que é responsável pela nossa percepção de movimento, de espaço,  de posição e profundidade, de segregação de forma/fundo (contorno de formas), ou seja pela nossa organização geral do espaço visual que nos rodeia: é o sistema “ONDE” e que começa na retina com as células fotoreceptoras bastonetes.
Este sistema é altamente sensível a movimento, logo mais rápido nas suas respostas, e detecta o mundo em gradiantes de cinzentos; por isso é muito sensível a pequenas diferenças de brilho (alto contraste).
Um acidente que afecte este sistema implica dificuldade em dizer onde estão objectos, detectar movimento e profundidade à nossa volta, dificuldade em alcançar coisas e distinguir a esquersa da direita.

Esta segregação pode ser explicada em termos evolutivos porque o sistema “O QUÊ” foi adicionado ao já existente sistema “ONDE”, e deste modo, ao separar-se o processamento de informação garantia-se uma maior eficiência ao haver uma maior especifícidade no processamento de informação: é mais eficiente e rápido levar informação de um objecto referente a cor e forma separada da informação referente a posição e trajectória.
Este principio é hoje usado em Engenharia de HD para televisão, em animação e em computação gráfica.

Um exemplo de como estes dois sistemas funcionam separadamente ao analizarmos uma cena do mundo real é o facto de artistas desenharem linhas (o contorno) para representar a realidade apesar de no mundo não existirem linhas a definir objectos: estes contornos são as fronteiras entre regiões de diferentes cores ou luz. Mesmo uma criança ou um bébé intuitivamente identifica objectos desenhados por linhas, mais; quando uma criança começa a desenhar, começa por desenhar os contornos do mundo que conhece.
Tal comprova que o sistema “ONDE” chegou realmente primeiro!


A família Stamaty - Ingres, 1818
Contornos não exitem no mundo.
No entanto, representamos as fronteiras entre regiões de diferentes cores ou luz com contornos.


Fontes:
"Vision and Art: The Biology of Seeing" - Margaret Livingstone, Abrams, 2002